Edital não incluia todos os cargos vagos aptos para preenchimento; Segundo Frei David, 'grande prejudicado é o povo negro'
Um concurso do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), com 327 vagas para cartórios extrajudiciais, foi suspenso, por liminar do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), após uma ação, apoiada pela organização não governamental Educação e Cidadania de Afrodescendentes (Educafro), por prejuízo ao avanço de candidatos negros no certame.
A decisão liminar está em julgamento até esta sexta-feira (16), no plenário virtual da Corte. Até o momento, 9 conselheiros já votaram pela confirmação da suspensão.
O argumento da ação se baseia em dois pontos. O primeiro é de que o edital do processo seletivo não inclui todos os cargos vagos aptos para preenchimento, o que acarreta uma redução no número de vagas reservadas para candidatos negros. Há 460 vagas disponíveis para o cargo, porém o concurso só preencheria 327.
“Essa diminuição de oportunidades para a população negra confronta diretamente o artigo 1º da Convenção Interamericana Contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância, que veda qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, ascendência ou origem nacional ou étnica, com o objetivo de anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício, em condições de igualdade, de direitos humanos e liberdades fundamentais”, diz a Educafro, na ação.
De acordo com Frei David Santos, diretor-executivo da Educafro, o número menor de vagas apresentados no concurso beneficiaria os “amigos do presidente do tribunal (o desembargador Luiz Carlos Corrêa Junior) e os amigos do pessoal do TJMG”. As vagas que não foram colocadas no edital seguiriam sendo ocupadas pelos atuais interinos dos cartórios, que seguem nessa condição enquanto não houver concurso. Esses interinos são, na maioria dos casos, indicados pelo TJ.
A legislação, estabelecida após entendimento do STF, afirma que, no caso de vacância, a titularidade do cartório pode ser exercida interinamente por pessoa não concursada por no máximo seis meses. O CNJ determina, após o prazo, a realização de concurso público para o preenchimento das vagas.
“O grande prejudicado é o povo negro e os grande beneficiados são os amigos do presidente do tribunal e os amigos do pessoal do TJMG. O Tribunal de Justiça, ao invés de fazer justiça, está comentendo uma injustiça”, comentou Frei David Santos

Frei David Santos, diretor-executivo da Educafro
O segundo ponto destacado na ação é a imposição, nas outras fases do concurso, de uma “cláusula de barreira”, que limitaria o acesso de candidatos negros às fases subsequentes do concurso. A cláusula em questão afirma que só “serão convocados para a Prova Escrita e Prática os candidatos que disputam as serventias reservadas aos negros ou às pessoas com deficiência que alcançarem maior pontuação, incluídos os empatados na última colocação, dentro da proporção de 6 (seis) candidatos por vaga, em cada opção de inscrição, restando eliminados os demais”.
“A conduta do TJMG, portanto, distancia-se dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, conforme preconiza o artigo 4º da Convenção, que impõe a adoção de medidas específicas direcionadas a favor de grupos que sofrem discriminação, com o objetivo de garantir a igualdade efetiva”, diz o processo.
“A manutenção dessa cláusula perpetua um sistema de desigualdade e impede que candidatos negros concorram em condições equitativas, frustrando os objetivos da política de ação afirmativa e os compromissos internacionais do Brasil na luta contra a discriminação racial”, completa a manifestação do Educafro.
Na decisão liminar, o conselheiro Marcello Terto, do CNJ, afirmou que, diante dos argumentos apresentados na ação, “a concessão de medida liminar é medida que se impõe, uma vez que se evidencia o descumprimento do precedente do STF”. O andamento do edital, por decisão de Marcello, está suspenso até o julgamento do mérito do Procedimento de Controle Administrativo (PCA).
Concurso do TJMG
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais publicou, no dia 06 de dezembro de 2024, o edital do concurso público para a Outorga de Delegações de Notas e de Registro. As inscrições foram realizadas entre os dias 17 de fevereiro e 18 de março. Para se inscrever, o candidato precisava pagar uma taxa de R$ 340.

Prova objetiva do concurso aconteceria em 3 de maio, porém decisão liminar do CNJ suspendeu a aplicação
O Instituto Consulplan foi o responsável pela organização do concurso. O processo avaliaria os candidatos por meio de provas objetiva, escrita, oral e prática, além da análise de títulos. A prova objetiva aconteceria em 3 de maio, porém a decisão liminar do CNJ suspendeu essa aplicação.
O que diz o TJMG?
O ICL Notícias procurou o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) para que se posicionasse sobre a decisão da liminar do CNJ e a ação contra o edital do concurso. Em nota, o TJMG afirmou que “havendo decisão autorizando a retomada do certame, o TJMG tomará imediatas providências para o andamento do concurso”. Leia a íntegra da resposta do órgão:
“O Concurso Público de Provas e Títulos para a outorga de delegações de Notas e de Registro do Estado de Minas Gerais, regido pelo Edital nº 01/2024, foi suspenso conforme publicação no Diário do Judiciário eletrônico disponibilizado no dia 04/04/2025 e publicado em 07/04/2025, em cumprimento à decisão liminar proferida pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ, nos autos do PCA nº 0001348-09.2025.2.00.0000, até o julgamento de mérito do referido PCA.
O impetrante alega que o edital não contemplaria a totalidade de serventias atualmente vagas e aptas a serem submetidas a concurso público, previstos no Aviso n° 6/CGJ/2025, o que infringiria, no seu entender, o art. 236 da Constituição da República, bem como as Resoluções n° 80 e 81, de 2009, do Conselho Nacional de Justiça. Ainda, relata que o item 14.29.1 do edital imporia cláusula de barreira aos candidatos negros, de modo a restringir a participação desses candidatos nas fases subsequentes do certame.
Ao final, requereu liminarmente “a suspensão do concurso, a fim de que o e. TJMG proceda à correção do Edital nº 01/2024, incluindo as serventias elencadas na lista divulgada no Aviso nº 6/CGJ/2025, e que sejam adotadas as providências necessárias para a publicação das novas vagas ofertadas e a reorganização da listagem de delegações, observando-se os critérios de provimento e remoção”. No mérito, pleiteia “a desconstituição do ato ilegal constante do Edital nº.01/2024, com a inclusão das serventias vagas no concurso, a retificação do Item 3 do referido instrumento convocatório e a exclusão do Item 14.29.1 do Edital”.
Conforme Pauta de Julgamentos relativa à 6ª Sessão Virtual de 2025, disponibilizada pelo Conselho Nacional de Justiça no DJ-e nº 89/2025, em 29/04/2025, pág. 2-18, o referido processo consta da relação de assuntos e processos que serão apreciados em sessão plenária virtual a ser realizada entre as doze horas do dia 9 de maio de 2025 (sexta-feira) e as dezesseis horas do dia 16 de maio de 2025 (sexta-feira).
Havendo decisão autorizando a retomada do certame, o TJMG tomará imediatas providências para o andamento do concurso”.
Por ICL Notícias
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