Enquanto o Brasil adquire o título de pandemônio mundial da Covid-19 com 3 mil mortes por dia, membros do alto escalão do governo, incluindo o presidente, divulgam a novidade salvadora: "cloroquina nebulizada". A prática matou três pessoas em apenas um hospital


Na sexta-feira, 19 de março, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a defender o tratamento precoce contra a Covid-19 e exaltou a chamada “nebulização da hidroxicloroquina”.

“Nós temos uma doença que é desconhecida, com novas cepas, e pessoas estão morrendo. Os médicos têm o direito, ou o dever, de que, no momento que falta um medicamento específico para aquilo com comprovação científica, ele pode usar o que se chama de off-label – fora da bula”, disse o presidente, em entrevista à Rádio Acústica.

Bolsonaro citou o caso da médica Eliane Scherer (imagem acima), que teria usado a técnica de nebulização da droga no tratamento de pacientes. “Até conversei com a doutora agora há pouco, e ela me disse, e eu já tinha comprovado isso também, e não é dela, ela falou muito humildemente que não é uma ideia dela, a questão da nebulização. A primeira vez que eu ouvi falar disso foi lá no estado do Amazonas”, afirmou Bolsonaro.

Um vídeo de uma médica tratando uma paciente com cloroquina nebulizada foi divulgado por Onyx Lorenzoni, ex-ministro da Cidadania e atual titular da pasta da Secretaria Geral da Presidência da República. O conteúdo é bizarro, está sendo compartilhado por milhares de pessoas e foi duramente criticado:

O médico pneumologista Fred Fernandes explicou o perigo do uso da hidroxicloroquina nebulizada:


Mortes

O Hospital Nossa Senhora Aparecida, de Camaquã, no Centro-Sul do RS, confirmou, nesta quarta-feira (24), a morte de três pacientes com coronavírus que foram nebulizados com uma solução de hidroxicloroquina. O procedimento foi administrado pela médica Eliane Scherer, citada por Bolsonaro e denunciada pela instituição ao Ministério Público e ao Conselho Regional de Medicina.

“Dos quatro pacientes internados que receberam o tratamento por inalação de HCQ, três deles vieram a óbito. Os indícios sugerem que o tratamento sem comprovação científica está contribuindo para a piora, porque todos os casos (de óbito) apresentaram reações adversas após o procedimento”, disse o hospital em nota oficial.

Segundo o diretor técnico do hospital, Tiago Bonilha, três dos quatro internados que fizeram o tratamento apresentaram taquicardia ou arritmias após a nebulização.

“Todos os pacientes têm documentado em prontuário taquicardia ou arritmias algumas horas após receberem a nebulização. Dois deles apresentavam estado grave, e um deles estava estável recebendo oxigênio por máscara e com boa evolução do quadro”, afirmou o médico.

O diretor lembrou que os pacientes conseguiram na Justiça o direito de usar a cloroquina nebulizada após serem convencidos pela médica Eliane Scherer.

“Infelizmente, nesse cenário de desespero, polarização e politicagem, diante de muita pressão da sociedade, permitimos que, via judicial e de maneira formalizada, os pacientes que desejavam receber essa terapia assim o fizessem”, pontua Tiago.

Estudos feitos em várias partes do planeta desde o ano passado mostraram que a cloroquina não é eficaz contra o coronavírus. Todos os países do mundo aboliram o medicamento, incluindo os Estados Unidos, que enviou um carregamento para o Brasil.