Loja onde delegada foi alvo de racismo tinha código para alertar funcionários sobre clientes negros e de roupas simples, revela investigação. "A partir do alerta, a pessoa era acompanhada e sofria vigilância ininterrupta"

 


Globo

A loja da Zara em Fortaleza onde uma delegada negra foi impedida de entrar no mês passado tinha um código sonoro que alertava os funcionários sobre a entrada de clientes de “aparência suspeita” no local que precisariam ser monitorados. Esta informação partiu de testemunhas durante investigação realizada pela Polícia Civil do Ceará, que indiciou o português Bruno Filipe Simões Antônio, de 32 anos, no cargo de gerente, pelo crime de racismo cometido contra Ana Paula Barroso em 14 de setembro.

Segundo o portal do “Diário do Nordeste“, o delegado Sérgio Pereira afirmou que atuais e ex-funcionários da loja relataram em depoimento que o aviso “Zara zerou” era emitido nos alto-falantes quando pessoas “fora do padrão” entravam no estabelecimento. A regra valia, de acordo com as testemunhas, para pessoas negras que estariam “mal vestidas”. Duas ex-funcionárias relataram ainda episódios de assédio moral.

A partir de então, essa pessoa era acompanhada pelos funcionários, não para ser atendida, mas naquela situação de vigilância ininterrupta. Porque ela saiu do perfil de cliente e passava a ser tratada como o perfil de suspeita“, disse Pereira.

Entre as pessoas ouvidas pelos investigadores, está uma mulher negra, de 27 anos, que relatou, em redes sociais, ter passado por situação semelhante, no final do mês de junho deste ano, na mesma loja.

Em comunicado, a Zara afirmou ser “uma empresa que não tolera nenhum tipo de discriminação e para a qual a diversidade, a multiculturalidade e o respeito são valores inerentes e inseparáveis da cultura corporativa“.

Imagens analisadas pela Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce) e pelo Departamento de Inteligência Policial (DIP) da PC-CE demonstram a atitude discriminatória do indiciado. O circuito interno da loja mostra o tratamento diferenciado dado à vítima. No vídeo, é possível ver quando ela é expulsa, sendo que, minutos antes, o mesmo funcionário atendeu uma cliente que não fazia o uso correto da máscara. Outras situações semelhantes foram filmadas, em que clientes brancos não foram abordados para que utilizassem a máscara de forma correta.

Para ter acesso ao material visual, foi necessário o cumprimento de um mandado de busca e apreensão do equipamento eletrônico da loja, ocorrido no dia 19 de setembro. O mandado foi solicitado pela Polícia Civil após a loja se recusar a fornecer o material, pois segundo um funcionário da Zara, seria necessário avaliação do setor jurídico da loja e, somente após essa análise, seria dado retorno sobre a disponibilização das gravações feitas pelas câmeras.

A Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará (SSPDS/CE) destacou que a conduta do gerente se enquadrou no artigo 5º da Lei de Crimes Raciais — por “recusar, impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador“, com pena de reclusão de um a três anos.

Quanto à loja, a polícia informou que ela poderá ser responsabilizada na esfera civil por danos morais, visto que no artigo 932, inciso III do Código Civil, diz que “são (…) responsáveis pela reparação civil o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele”.

As investigações foram desenvolvidas por um coletivo de delegadas da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Fortaleza, e os detalhes do trabalho policial foram divulgados nesta terça-feira na sede da Superintendência da Polícia Civil, no Centro de Fortaleza, em coletiva de imprensa.

Leia abaixo a nota da Zara sobre o caso:

A Zara Brasil, que não teve acesso ao relatório da autoridade policial até sua divulgação nos meios de comunicação, quer manifestar que colaborará com as autoridades para esclarecer que a atuação da loja durante a pandemia Covid-19 se fundamenta na aplicação dos protocolos de proteção à saúde, já que o decreto governamental em vigor estabelece a obrigatoriedade do uso de máscaras em ambientes públicos. Qualquer outra interpretação não somente se afasta da realidade como também não reflete a política da empresa. A Zara Brasil conta com mais de 1800 pessoas de diversas raças e etnias, identidades de gênero, orientação sexual, religião e cultura. Zara é uma empresa que não tolera nenhum tipo de discriminação e para a qual a diversidade, a multiculturalidade e o respeito são valores inerentes e inseparáveis da cultura corporativa. A Zara rechaça qualquer forma de racismo, que deve ser combatido com a máxima seriedade em todos os aspectos“.