Vaga foi negada à criança autista; caso foi levado ao MP, que vai instaurar notícia de fato e notificar instituição de ensino

Aline Lima formalizou denúncia no MP após ter vaga negada para filho autista em escola particular - Foto: Edilson Omena

A mãe de uma criança de três anos usou as redes sociais para denunciar uma escola particular que negou matricular o filho com Transtorno do Espectro Autista (TEA), em Maceió. Segundo a administradora Aline Lima, ela foi informada na recepção da escola que tinha vaga. Mas, ao comunicar que o filho era autista, lhe foi dito que não havia mais.

“Fui até a escola com o meu filho e minha irmã. Quando cheguei lá, pediram para ir até a recepção, onde perguntei sobre vagas para o meu filho de três anos. E aí falou que tinha vaga, me passou o papel com todas as informações de matrícula, material escolar e fiquei super feliz porque teriam várias coisas inclusas. No final, pedi para falar com a coordenadora pedagógica porque ele é autista, então seria bom falar com ela para fazer uma adaptação e acompanhamento dele. Aí a recepcionista falou: eita, para crianças atípicas, nós não temos mais vagas”, contou Lima.

Lima explicou que, em seguida, uma mulher saiu da sala da diretoria com postura arrogante e disse que a escola possuía cotas para crianças atípicas e que já tinham sido preenchidas. “Nós estávamos sentados na cadeira, inclusive, tem câmera na recepção da escola. Aí ela ficou em pé e falou que não tinha mais vagas para crianças atípicas. Só que isso é ilegal. Minha irmã falou que, por lei, como ela tinha falado que tinha vaga, seria obrigatório ter vaga para o meu filho. Ela ficou irritada e até pediu para a gente se retirar da escola dela, que não tinha vaga e não ia matricular o meu filho. Foi horrível, ficamos sem ação”, afirmou.

Nesta terça-feira (24), Aline Lima foi ao Ministério Público do Estado de Alagoas (MP/AL) formalizar denúncia. A assessoria do MP/AL informou que o promotor Gustavo Arns, da 13ª Promotoria Cível, vai instaurar notícia de fato e adotar as providências notificando a instituição de ensino.

O promotor ressaltou que o gestor escolar, ou autoridade competente, que recusar a matrícula de aluno com transtorno do espectro autista, ou qualquer outro tipo de deficiência, será punido com multa de três a vinte salários-mínimos.

“É dever da escola criar ambiente inclusivo para estudantes com TEA”

A presidente da Comissão de Proteção aos Direitos das Pessoas com Deficiência da Ordem dos Advogados do Brasil em Alagoas (OAB/AL), Taciana Nunes, explicou que é dever da escola criar um ambiente inclusivo para receber estudantes com TEA e garantir seu aprendizado dentro e fora da sala de aula.

“A pessoa autista tem direito a matrícula na escola, seja na rede pública ou privada de ensino. Nenhuma instituição pode negar a matrícula a quem está no espectro e não existe número máximo de vagas a serem preenchidas para os chamados alunos de inclusão”, disse Nunes.

Ainda segundo Nunes, se a escola possuir vaga para a turma e horário que a família tiver interesse e mesmo assim se negar a realizar a matrícula, alegando qualquer um dos motivos citados acima, ela está cometendo crime de discriminação e pode responder judicialmente por isso.

“A família que se sentir lesada pode procurar a Justiça, através de advogado particular ou defensoria pública para aqueles que ganham menos de três salários mínimos, a fim de conseguir a tutela jurisdicional, qual seja a obrigação da escola efetuar a matrícula”, afirmou.

De acordo com Mariana Colatino, membro da Comissão de Proteção aos Direitos das Pessoas com Deficiência da OAB/AL, a comissão recebe denúncias relacionadas à recusa de matrícula de autistas nas escolas, mas ainda são poucos os pais que têm energia para ir atrás da punição das escolas que têm essa prática.

“Precisamos conscientizar mais os pais, para que façam as denúncias, uma vez que isso pode fazer com que essa prática das escolas seja cada vez menos frequente. As escolas precisam se adaptar a essa realidade, capacitar seus profissionais e se tornarem inclusivas de uma vez por todas”, afirmou Colatino.

Colatino destacou ainda que, havendo vaga, a escola não pode negar matrícula sob o argumento de que existe limite de vaga para autista ou qualquer outra deficiência.

Disque 100 aponta 290 violações contra direitos de pessoas com deficiência

Dados do Disque 100, ligado ao Ministério da Mulher, Cidadania e dos Direitos Humanos, apontam que, durante o ano de 2022, foram 290 denúncias de violações contra os direitos de pessoas com deficiência intelectual e mental, em Alagoas. No Brasil, foram 23.616 registros.

AMA

Segundo Mônica Ximenes, presidente da Associação de Amigos do Autista de Alagoas (AMA/AL), a entidade já recebeu relatos de pais em relação à dificuldade em matricular os filhos nas escolas, mas ressaltou que é necessário saber como foi cada caso.

“Em muitos casos, não é simplesmente negando a vaga, é dificuldade de colocar muitos autistas em uma sala porque cada um requer um acompanhante. E não é só o custo do acompanhante, é o manejo da sala de aula. Vários adultos acompanhantes, vários momentos de entrada e saída de pessoas na sala, várias pessoas para adaptar atividades específicas. Daí, é preciso saber como foi o caso. Se foi negativa sem ter nenhum autista, se foi preconceito de não querer autistas (o que não tem cabimento)”, disse Ximenes. 

Por Luciana Beder com Tribuna Independente