Criminalista Fernando Augusto Fernandes diz que ouviu de uma pessoa ligada ao "submundo" a informação. Ex-deputado e conselheiro vitalício do TCE-RJ, Domingos Brazão foi alvo da investigação na primeira tentativa de federalização do caso.


Marielle Franco.Créditos: Renan Olaz/CMRJ


Em entrevista ao Fórum Café na manhã desta quinta-feira (27), o advogado criminalista Fernando Augusto Fernandes, doutor em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense e mestre em Criminologia e Direito Penal pela Universidade Cândido Mendes, afirmou que as novas informações sobre o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, ocorrido em 14 de março de 2014, conectou peças que faltavam sobre uma informação que ouviu nos bastidores da investigação.

Fernandes diz ter ouvido há algum tempo de uma fonte ligada ao "submundo" das investigações criminosas que um membro do "Tribunal de Contas" teria sido o mandante do assassinato da vereadora e do motorista. 

"Um advogado criminalista, ele como os padres dos confessionários acaba escutando confissões de 'pecados'. E uma dessas confissões, de uma pessoa bem ligada a essas questões vamos dizer ocultas desse submundo, me comentou: olha, eu tenho informação segura de quem mandou matar Marielle foi um dos membros do Tribunal de Contas", afirmou Fernandes no Fórum Café, que traçou um panorama sobre a família Frazão, clã político fluminense com forte ligação com a milícia.

"Não me foi feita no momento uma confissão dizendo que foi fulano, a prova que tenho é essa, e também no momento em que foi falado, eu simplesmente fiquei com isso na cabeça. Agora provavelmente as peças se conectaram", emendou Fernandes.

O criminalista cita, então, um reportagem do site The Intercept desta quarta-feira (26) que diz que "suspeitos de envolvimento no crime temiam a prisão de um político investigado como um dos possíveis mandantes do atentado: Domingos Inácio Brazão".

No relatório da PF que motivou a operação - e a prisão do ex-bombeiro Maxwell Simões como um dos articuladores do crime -, a PF disponibilizou a imagem de uma conversa de WhatsApp datada de 11 de março de 2019, quando Jomar Duarte Bittencourt Júnior, conhecido como Jomarzinho, filho de um delegado da Polícia Federal, diz ao sargento da PM Maurício da Conceição dos Santos Júnior, o Mauricinho, que "pelo que me falaram vão até prender Brazão e Rivaldo Barbosa”. 

Jomarzinho e Mauricinho também foram alvos da operação da PF. 

Segundo a reportagem, investigações cogitam a hipótese de que Brazão mandou matar Marielle para se vingar de Marcelo Freixo, que presidiu a CPI das Milícias na Alerj - atualmente ele é presidente da Embratur na gestão Lula. Freixo ajudou procuradores da Lava Jato do Rio em denúncias que resultaram nas prisões de políticos do MDB, a exemplo do próprio Brazão, e dos então deputados estaduais Jorge Picciani (já falecido), Paulo Melo e Edson Albertassi.

Quem é "Brazão"?

Rivado Barbosa, citado na conversa, é o delegado e ex-chefe da Polícia Civil do Rio, que foi associado pela PF a um suposto pagamento de propina para impedir avanços na investigação sobre o assassinato de Marielle e Anderson.

O outro personagem da troca de mensagens é Domingos Inácio Brazão. Atual conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, Domingo foi o pioneiro do clã Brazão a se empreitar para a política, elegendo-se vereador em 1996. 
Em 1998 tornou-se deputado estadual - cargo pelo qualq foi reeleito por cinco vezes, após ter sido derrotado na campanha à prefeito da capital fluminense em 2000. Em abril de 2015, em sua última legislatura, foi eleito pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) para ser um dos sete conselheiros vitalícios do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ).

Além de carreira na política, Domingos Brazão tem uma extensa lista criminal e chegou a ser preso em 29 de março de 2017 durante a operação Quinto de Ouro, um desdobramento da Lava Jato que investigava uma organização criminosa, que incluia a filho do ex-governador e prefeito do Rio Marcello Alencar, suspeita de corrupção e desvio de verbas públicas.

Cerca de 10 anos antes, Domingos Brazão já havia enfrentado um processo de homicídio, quando teria perseguido dois homens e atirado pelas costas - um deles morreu. Ele alegou legítima defesa e o caso foi rejeitado 15 anos depois ela corte especial do Tribunal de Justiça, quando ele já era deputado estadual pelo MDB.

Suspeito de ser o mandante

Em setembro de 2019, a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge pediu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para "apurar indícios de autoria intelectual de Domingos Brazão" na primeira tentativa de federalização das investigações sobre o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes.

"Domingos Brazão arquitetou o homicídio da vereadora Marielle Franco e visando manter-se impune, esquematizou a difusão de notícia falsa sobre os responsáveis pelo homicídio", diz o documento assinado pela ex-PGR.

Em gravações obtidas pelos investigadores, o miliciano Jorge Alberto Moreth afirmou ao ex-vereador Marcello Sicilliano - atualmente filiado ao PP - que Domingos Brazão é o mandante e pagou R$ 500 mil pelo atentado.

A denúncia aponta ainda uma estratégia para encobrir os mandantes. "Fazia parte da estratégia que alguém prestasse falso testemunho sobre a autoria do crime e a notícia falsa chegasse à Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, desviando o curso da investigação em andamento e afastando a linha investigativa que pudesse identificá-lo como mentor intelectual dos crimes de homicídio".

Segundo depoimento do miliciano Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando Curicica, a morte da vereadora foi planejada em uma reunião na qual estavam quatro pessoas: ele; o major da PM Ronald Paulo Alves Pereira, ligado à milícia “Escritório do Crime” e condecorado pelo então deputado estadual Flávio Bolsonaro em 2004; subtenente da PM Antonio João Vieira Lázaro, assessor de Brazão e integrante da Coordenadoria Institucional de Segurança da Assembleia Legislativa do RJ (ALERJ); e Hélio Paulo Ferreira, conhecido como o “Senhor das Armas”.

Ligação com o clã Bolsonaro

Moreth é um dos chefes da milícia que atua em Rio das Pedras, na zona oeste do Rio, local onde está a base política dos clãs Brazão e Bolsonaro.

Atual deputado federal pelo União Brasil, João Francisco Inácio Brazão, mais conhecido como Chiquinho Brazão, é sócio do irmão, Domingos, em uma rede de postos de gasolina no Rio de Janeiro.

Em 2012 e 2016, Chiquinho foi o vereador mais votado na região de Rio das Pedras. Em 2018, foi eleito deputado federal, usando o bairro como base para sua campanha. 

Flávio Bolsonaro é outro político que conseguiu bons votos na favela em em 2018. Com 8.729 votos, o filho do presidente foi o senador mais votado da região. Atual senador, ele empregou a ex-mulher e a mãe de Adriano da Nóbrega, miliciano que esteve na reunião onde o assassinato de Marielle teria sido planejada, em seu gabinete na Alerj.

Em outubro de 2019, um mês após virem à tona as denúncias que ligavam o clã Brazão ao assassinato de Marielle, Jair Bolsonaro (PL) concedeu passaportes diplomáticos para João Vitor Moraes Brazão e Dalila Maria de Moraes Brazão, filho e esposa de Chiquinho.


Por: Revista Fórum